10. Davi e o Reino do Cristo
Após os 40 anos no deserto, a nação de Israel perdeu seu líder, Moisés. Foi seu sucessor, Josué, quem liderou o povo em sua entrada na terra da Promessa, dando pela primeira vez o território de Canaã (uma parte dele, pelo menos) aos descendentes de Abraão, Isaque e Jacó. Após a morte de Josué, as doze tribos de Israel passaram então a viver em sua recém conquistada terra, mas frequentemente se afastando de Deus, desobedecendo-O. Como já mencionado no texto anterior, a partir daí os israelitas repetiram em sua história o mesmo padrão: após certo período de paz e prosperidade o povo se afastava do Criador e, como consequência, Deus permitia que diversos problemas caíssem sobre Israel – especialmente guerras com nações vizinhas. Em diversos momentos, tais povos inimigos dominaram e oprimiram os israelitas, até que em um dado momento, a nação se arrependia e, como resposta, Deus levantava um libertador para remover os opressores de sobre Israel. Dentre tais líderes (também chamados de juízes) estão figuras bastante conhecidas, como Sansão e Gideão. Este período da história de Israel está registrado no livro de Juízes. Vale a pena ler!
Findando o período dos juízes, surge então outro personagem, que irá marcar a transição deste período para a era da monarquia em Israel. Este homem foi o profeta Samuel, que ao longo de sua vida assumiu o papel de juiz da nação, mas que também foi o instrumento de Deus para colocar no trono o primeiro e o segundo reis israelitas: Saul e Davi, respectivamente.
O reinado de Saul foi marcado por suas sucessivas desobediências. No final de seu reinado, o Criador finalmente escolheu um segundo rei, que tinha o coração voltado para obedecer a Deus - Davi. Interessante que Saul foi escolhido por ter as características que o povo de Israel gostaria de ver em um rei (1Sm 10). Em oposição a isso, Davi tinha a característica que o Criador busca em um rei (ou qualquer outro ser humano): amar a Deus sobre todas as coisas. Assim, após Deus ter tirado de Saul e de sua descendência o direito ao trono de Israel, Davi foi colocado em seu lugar.
Embora Deus tenha dito que Davi era um homem fiel a Ele, este rei também cometeu suas falhas, incluindo um incidente gravíssimo, no qual ele teve relações sexuais com uma mulher casada (Bate-Seba) e, para esconder o caso, colocou o seu marido, que era um soldado, na linha de frente das batalhas para que a chance dele morrer na guerra fosse maior - e, infelizmente, o plano do rei deu certo e Urias, marido de Bate-Seba, morreu no campo de batalha. Isto foi reprovado pelo Senhor e, além disso, seus erros trouxeram consequências difíceis tanto para Davi quanto para sua família (1Rs 15:5). Porém, mediante o arrependimento do rei, o Senhor o perdoou, demonstrando quão grande é a misericórdia que Deus tem para aqueles que O amam.
A história de Davi é fundamental não apenas por sua fidelidade a Deus ou por demonstrar a misericórdia divina, mas também porque foi com este homem que o Criador estabeleceu um outro pacto, conhecido como Aliança Davídica:
"Agora, pois, diga ao meu servo Davi: ‘Assim diz o Senhor dos Exércitos: Eu o tirei das pastagens, onde cuidava dos rebanhos, para ser o soberano do meu povo Israel. Sempre estive com você por onde você andou, e eliminei todos os seus inimigos. Agora eu o farei tão famoso quanto os homens mais importantes da terra. E providenciarei um lugar para o meu povo Israel e os plantarei lá, para que tenham o seu próprio lar e não mais sejam incomodados. Povos ímpios não mais os oprimirão, como fizeram no início e têm feito desde a época em que nomeei juízes sobre o meu povo Israel. Também subjugarei todos os seus inimigos. Saiba também que eu, o Senhor, lhe estabelecerei uma dinastia. Quando a sua vida chegar ao fim e você descansar com os seus antepassados, escolherei um dos seus filhos para sucedê-lo, um fruto do seu próprio corpo, e eu estabelecerei o reino dele. Será ele quem construirá um templo em honra do meu nome, e eu firmarei o trono dele para sempre. Eu serei seu pai, e ele será meu filho. Quando ele cometer algum erro, eu o punirei com o castigo dos homens, com açoites aplicados por homens. Mas nunca retirarei dele o meu amor, como retirei de Saul, a quem tirei do seu caminho. Quanto a você, sua dinastia e seu reino permanecerão para sempre diante de mim; o seu trono será estabelecido para sempre’" (2 Sm 7:8-16).
Este texto figura entre as promessas mais importantes das Escrituras. Aqui vemos que Deus deu à linhagem de Davi o direito de reinar sobre Israel de modo inalienável. Em suma, a aliança diz que:
1. O Senhor iria estabelecer Israel na terra com segurança permanente: “providenciarei um lugar para o meu povo Israel e os plantarei lá, (...) para que não mais sejam incomodados. Povos ímpios não mais os oprimirão, (...)”;
2. Um descendente de Davi construiria um Templo para Deus e terá seu trono estabelecido para sempre;
3. Deus iria corrigir os descendentes de Davi, caso se afastem Dele, mas não anularia a promessa desta aliança.
Além do texto desta Aliança, outros textos explicam com mais detalhes a promessa dada a Davi, especialmente falando de um futuro rei descendente dele. Vejamos algumas destas promessas:
1. “Permaneça para sempre o seu nome e dure a sua fama enquanto o sol brilhar. Sejam abençoadas todas as nações por meio dele, e que elas o chamem bendito” (Sl 72:17):
a. Este salmo fala do rei de Israel, da promessa dada a Davi, relacionando-a com a Promessa dada a Abraão, da bênção a todas as nações por meio da descendência de Israel: ou seja, por meio de um rei de Israel, todos os povos receberiam a Promessa da Aliança Abraâmica (ver texto 7 da série);
2. “Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, e o governo está sobre os seus ombros. E ele será chamado Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso, Pai Eterno, Príncipe da Paz. Ele estenderá o seu domínio, e haverá paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, estabelecido e mantido com justiça e retidão, desde agora e para sempre. O zelo do Senhor dos Exércitos fará isso” (Is 9:6,7):
a. Esta profecia de Isaías fala de um homem que nasceria da linhagem de Davi, ‘trazendo paz sem fim’, com governo justo e reto, sendo considerado ‘Maravilhoso Conselheiro’, 'Deus Poderoso’, ‘Pai Eterno’ e ‘Príncipe da Paz’;
3. "Mas tu, Belém-Efrata, embora sejas pequena entre os clãs de Judá, de ti virá para mim aquele que será o governante sobre Israel. Suas origens estão no passado distante, em tempos antigos. (...) Ele se estabelecerá e os pastoreará na força do Senhor, na majestade do nome do Senhor, o seu Deus. E eles viverão em segurança, pois a grandeza dele alcançará os confins da terra (Mq 5:2;4):
a. Aqui uma profecia afirma que o descendente de Davi que traria a bênção sobre Israel (e, como vimos, para todos os povos), viria da cidade de Belém.
Deste modo, pode-se entender a Aliança Davídica como sendo dada em adição à Aliança Abraâmica, afirmando que um rei de Israel, descendente de Davi, traria as bênçãos prometidas tanto para Israel quanto para as nações (os gentios). Alguns aspectos do reinado deste indivíduo foram dados no Antigo Testamento: paz ininterrupta, bênção divina e justiça. De algum modo, o reinado deste filho de Davi (filho aqui usado como sinônimo de ‘descendente’) será como o reinado do próprio Deus, uma vez que a este rei foram dados títulos como ‘Deus Poderoso’, ‘Maravilhoso Conselheiro’, ‘Príncipe da Paz’, ‘Pai da Eternidade’ e também, como Miqueias disse, ele governará na ‘força do Senhor’, na ‘majestade do nome do Senhor’.
Em outras passagens, este rei descendente de Davi é chamado também de ungido, assim como o próprio Davi também era chamado. Nas Escrituras, ungir alguém era derramar sobre a cabeça dessa pessoa azeite, simbolizando uma bênção especial de Deus, geralmente relacionada à capacitação ou escolha de alguém para desempenhar alguma função importante, como no caso de um rei. Assim, quando o profeta Samuel ungiu Davi, significava que aquele profeta estava realizando um ato simbólico da escolha e da capacitação divinas sobre Davi a fim de que ele se tornasse o novo rei de Israel. Este rei filho de Davi, que governará em paz permanente, justiça e no poder do próprio Deus, trazendo a bênção divina sobre todos os povos, passou a ser chamado, pelos estudiosos das Escrituras, de O Ungido. Nas Bíblias em português também são utilizadas outras duas palavras para traduzir o termo ‘ungido’: Messias e Cristo. As duas palavras significam ungido, a diferença é que messias vem da língua hebraica e cristo da língua grega. Outro nome do Cristo/Messias, que também é mencionado nas Escrituras, encontra-se no livro do profeta Daniel, onde esse personagem, visto por Daniel em uma visão, é chamado de 'O Filho do Homem' (Dn 7).
À medida que o Antigo Testamento foi sendo escrito, cada vez mais percebe-se que seus textos, especialmente seus profetas, tratam com muita ênfase um período futuro de bênção mundial no qual um descendente de Davi especial reinaria para sempre: o reino do Messias (Ungido, Cristo), o reino de Deus, trazendo consigo, em especial, a realização da Promessa Abraâmica. É a partir desta noção que as Escrituras, especialmente no Novo Testamento, vão dividir a história em dois períodos: o período anterior à vinda do Reino, chamado de 'esta era' e, o período quando o Reino estaria completamente presente no mundo, a 'era vindoura'. Não só isso, mas desde então, passou a ser o maior foco dos judeus a identificação de quem seria o prometido Messias, que traria paz e justiça a todos os povos.