6. A Torre de Babel
Pode-se entender (e muitos estudiosos da Bíblia entendem) que o capítulo 11 de Gênesis é um dos grandes divisores da história da humanidade, ao lado da Queda (o pecado de Adão e Eva no Éden) e do Dilúvio. Em relação à origem da atual configuração étnica, religiosa, geográfica e política do mundo, o breve relato de Babel supera a importância dos outros dois eventos.
A história de Babel apresenta uma terceira rebelião da humanidade contra o Criador: a primeira foi no Éden, a segunda foi com a geração de Noé. O relato de Gn 11 (a Torre de Babel) conta que até aquele momento todos os homens (os descendentes de Sem, Cam e Jafé, filhos de Noé) falavam uma mesma língua e, por isso, existiam como um único povo (ou etnia - mesma língua e cultura). Porém, em um dado momento, um homem (Ninrode) se elevou sobre os demais, se tornando o rei e líder do primeiro império humano, tendo Babel, aparentemente, como sua capital e uma grande estrutura arquitetônica como seu marco e símbolo principal:
Cuxe gerou também Ninrode, o primeiro homem poderoso na terra. Ele foi o mais valente dos caçadores, e por isso se diz: 'Valente como Ninrode'. No início o seu reino abrangia Babel, Ereque, Acade e Calné, na terra de Sinear. Gênesis 10:8-10
E disseram: Eia, edifiquemos nós uma cidade e uma torre cujo cume toque nos céus, e façamo-nos um nome, para que não sejamos espalhados sobre a face de toda a terra. (Gn 11:4).
Assim, após certo tempo, os homens decidiram construir uma cidade com o objetivo de não se espalhar para povoar toda a terra, contrariando o que Deus havia ordenado em Gn 1:28 e Gn 9:1. O texto mostra também que, junto com essa cidade, a humanidade resolveu aparentemente construir uma estrutura religiosa, uma torre que estabelecesse contato com os céus e também os tornasse grandes, importantes (criar um nome para si), sob o domínio de Ninrode, seu rei.
Ao se levar em conta o que Deus havia estabelecido até aqui, percebemos em Babel, pelo menos três ações de rebeldia em relação a Deus: 1. A recusa em se espalhar e povoar a terra; 2. a construção de uma estrutura para exaltar o homem e que provavelmente também funcionava como um local de culto a alguma outra divindade, criada por eles (uma expressão inicial do paganismo); 3. A subjugação dos homens por um único homem, Ninrode.
Como dito, a torre provavelmente foi uma estrutura religiosa e não só uma edificação de exaltação do poder humano. Pelo menos dois fatos fortalecem esta ideia. O primeiro é que existe abundante registro arqueológico apontando para a edificação de torres piramidais naquela região em tempo remotos, chamados pela arqueologia de Zigurates. Estes zigurates eram grandes pirâmides escalonadas em cujo topo era erigido um templo, um lugar de encontro com os deuses, com os céus - semelhantes às estruturas encontradas em muitas partes do mundo, inclusive na América Latina, entre os astecas e maias (ver figura abaixo).
Um segundo argumento vem da própria Bíblia. Em Gênesis capítulo 4, um versículo utiliza o termo 'nome', em referência ao Criador: “Também a Sete nasceu um filho, a quem deu o nome de Enos. Nessa época começou-se a invocar o nome do Senhor” (Gn 4:26). Em diversas outras passagens bíblicas o termo ‘nome’ é utilizado como sinônimo de um culto, de adoração a uma divindade. Assim, segundo essa hipótese, é possível entender que em Babel os homens se rebelaram contra Deus (não se espalhando e passando a servir Ninrode) e assim construíram uma estrutura de adoração a um deus criado por eles (e façamo-nos um nome...). Derivada dessa ideia, uma outra especulação seria que este novo e rebelde culto era dirigido ao próprio Ninrode.
Após essa nova rebelião, o Senhor Deus realizou mais um ato global para lidar com a atitude da humanidade: Ele dividiu aquele povo (todos os homens) em diversos povos (etnias, nações) a partir da criação de diferentes línguas e da dispersão deles por toda a terra. De acordo com as Escrituras, foi assim que Deus criou os diferentes povos que habitariam em todos os continentes do planeta até os dias de hoje. Mais adiante, na Bíblia, os povos começaram a ser designados pela palavra ‘gentios’, os diferenciado do povo de Israel. Esta distinção (gentios e Israel) é muito importante para se compreender as Escrituras Sagradas e ela será trabalhada ao longo dos demais textos desta série. Aqui, é necessário apenas compreender que o termo gentio não é pejorativo na Bíblia, mas apenas é utilizado para designar qualquer povo, com exceção do povo de Israel.
Como conclusão, a Torre de Babel, erigida no lugar aproximado que posteriormente se tornaria a cidade de Babilônia (cujas ruínas encontram-se hoje dentro do Iraque), marca o momento onde a humanidade provavelmente começou a criar deuses e religiões, perdendo muito do conhecimento sobre o Deus verdadeiro, que criou os céus e a terra. Além disso, foi o evento que deu início à atual configuração populacional do mundo, que é habitado por povos de diferentes culturas (línguas, costumes) vivendo em diferentes territórios. Usando o termo bíblico, o episódio de Babel informa que os gentios foram criados por Deus, mas também que em Babel provavelmente se vislumbra a origem da criação dos falsos deuses/religiões (o paganismo) e ainda o surgimento do primeiro império humano e seu imperador (Ninrode).