Afinal, o que é Páscoa?
“Coelhinho da páscoa que trazes pra mim: um ovo, dois ovos...” (música infantil sobre a páscoa).
Do mesmo modo que o Natal, a Páscoa também tem perdido seu sentido original no mundo cristão. Se o natal foi uma criação da tradição cristã, não prescrito na Bíblia, a Páscoa por sua vez é uma celebração que foi estabelecida pelo próprio Deus nas Escrituras.
A Páscoa foi criada quando o povo de Israel, sob liderança do profeta Moisés, foi liberto por Deus da escravidão do Egito:
O Senhor disse a Moisés e a Arão, no Egito: "Este deverá ser o primeiro mês do ano para vocês. Digam a toda a comunidade de Israel que no décimo dia deste mês todo homem deverá separar um cordeiro ou um cabrito, para a sua família, um para cada casa (...). O animal escolhido será macho de um ano, sem defeito, e pode ser cordeiro ou cabrito. Guardem-no até o décimo quarto dia do mês, quando toda a comunidade de Israel irá sacrificá-lo, ao pôr-do-sol. Passem, então, um pouco do sangue nas laterais e nas vigas superiores das portas das casas nas quais vocês comerão o animal (...). Ao comerem, estejam prontos para sair: cinto no lugar, sandálias nos pés e cajado na mão. Comam apressadamente. Esta é a Páscoa do Senhor. Naquela mesma noite passarei pelo Egito e matarei todos os primogênitos, tanto dos homens como dos animais, e executarei juízo sobre todos os deuses do Egito. Eu sou o Senhor! O sangue será um sinal para indicar as casas em que vocês estiverem; quando eu vir o sangue, passarei adiante. A praga de destruição não os atingirá quando eu ferir o Egito. Este dia será um memorial que vocês e todos os seus descendentes o comemorarão como festa ao Senhor. Comemorem-no como decreto perpétuo (Êxodo 12:1-14)”.
Deste modo, percebemos aqui um primeiro sentido da Páscoa: é a celebração da libertação divina dos israelitas da escravidão no Egito: a Páscoa celebra, portanto, um evento histórico da nação de Israel. A própria palavra pascoa, no hebraico Pêssach, significa passagem, fazendo referência ao fato de que o juízo divino passaria sobre (ou seja, não cairia sobre) os que haviam crido em Deus e celebrado a Páscoa. No fim do trecho vemos que Deus estabeleceu que os israelitas deveriam realizar esta festa todos os anos.
Mais adiante, Deus ainda dá outras orientações, acerca do que fazer no dia da Páscoa e onde a celebrar, mostrando que esta festa foi inserida no calendário da nação de Israel e que deveria ser celebrada anualmente por meio de uma peregrinação à cidade de Jerusalém (na passagem a seguir, Jerusalém ainda não havia sido escolhida para ser onde o Templo de Deus iria ser construído – fazendo habitar em Jerusalém o Nome de Deus):
Não ofereçam o sacrifício da Páscoa em nenhuma das cidades que o Senhor, o seu Deus, lhe der; sacrifique-a apenas no local que ele escolher para habitação do seu Nome. Ali vocês oferecerão o sacrifício da Páscoa à tarde, ao pôr-do-sol, na data da sua partida do Egito (Deuteronômio 16:5-6).
No Novo Testamento é ensinado que a Páscoa tem também um conteúdo profético, apontando também para um futuro quando o Cordeiro de Deus seria sacrificado para libertar os homens dos pecados e da morte eterna:
No dia seguinte João viu Jesus aproximando-se e disse: "Vejam! É o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo! (João 1: 29).
(...) Pois Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi sacrificado (1Coríntios 5:7).
Muito interessante é que Jesus é morto na cruz exatamente no dia em que os sacerdotes no Templo em Jerusalém estavam sacrificando os cordeiros pascoais. Assim, vemos que a Páscoa fala mesmo de libertação: da escravidão de Israel no passado e da escravidão do pecado de todos os homens por meio de Jesus Cristo morrendo na cruz para pagar os pecados dos homens - o Cordeiro que faz o juízo de Deus passar sobre aqueles que foram marcados pelo sangue de Jesus!
Se, porém, andamos na luz, como ele está na luz, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado (1João 1:7).
Ainda no Novo Testamento, vemos que o conteúdo profético desta festa aparentemente não foi totalmente cumprido na crucificação e ressurreição de Jesus, pois o próprio Cristo parece dizer que há um evento futuro que, finalmente, cumpriria plenamente todo o sentido da Páscoa:
No primeiro dia da festa dos pães sem fermento, os discípulos dirigiram-se a Jesus e lhe perguntaram: "Onde queres que preparemos a refeição da Páscoa? " Ele respondeu dizendo que entrassem na cidade, procurassem um certo homem e lhe dissessem: "O Mestre diz: ‘O meu tempo está próximo. Vou celebrar a Páscoa com meus discípulos em sua casa". Os discípulos fizeram como Jesus os havia instruído e prepararam a Páscoa. Ao anoitecer, Jesus estava reclinado à mesa com os Doze. (...) Enquanto comiam, Jesus tomou o pão, deu graças, partiu-o, e o deu aos seus discípulos, dizendo: "Tomem e comam; isto é o meu corpo". Em seguida tomou o cálice, deu graças e o ofereceu aos discípulos, dizendo: "Bebam dele todos vocês. Isto é o meu sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos, para perdão de pecados. Eu lhes digo que, de agora em diante, não beberei deste fruto da videira até aquele dia em que beberei o vinho novo com vocês no Reino de meu Pai". Mateus 26:17-29
Diante disso, podemos dizer que a Páscoa é uma celebração dada aos israelitas como memorial da libertação ocorrida no passado de Israel, mas também fala de outra libertação, maior e universal: aquela ocorrida por meio do sacrifício de Jesus na cruz e que se completará quando o mesmo retornar dos céus para, como diz a Escritura, fazer “novos céus e nova terra onde habitam justiça” (2Pedro 3:13), quando o próprio Cristo celebrará a Páscoa Suprema no Reino de seu Pai, como mostra o trecho de Mateus citado anteriormente.
Em especial, para aqueles que crêem em Jesus como o Cristo (Messias) que havia sido prometido por meio das profecias do Antigo Testamento, esta última Páscoa antes crucificação estabeleceu uma cerimônia em memória ao sacrifício de Jesus, destacando-se daquela refeição dois alimentos: o pão e o vinho - o corpo e o sangue de Jesus. Desde então os cristãos repetem tal cerimônia, considerando-a central na fé cristã, até que Cristo volte, como o apóstolo Paulo ensinou em uma de suas cartas:
Porque, sempre que comerem deste pão e beberem deste cálice, vocês anunciam a morte do Senhor até que Ele venha (1Coríntios 11: 26).
Como visto, a celebração bíblica da Páscoa foi dada à nação de Israel e contém certas regras, incluindo o local adequado para sua celebração[1]. Após a vinda de Jesus, desenvolveu-se, entre os cristãos, uma celebração cristã da Páscoa, não mais sacrificando um cordeiro, mas celebrando a morte e a ressurreição de Cristo na cruz anualmente. Em paralelo, a ordenança bíblica de que os seguidores de Jesus devem realizar o memorial instituído na última ceia (Santa Ceia, última Páscoa etc) traz também consigo a ideia que, da Páscoa Bíblica ordenada aos israelitas, Jesus derivou uma outra cerimônia, celebrando seu sacrifício pelos pecados do mundo. Esta cerimônia é conhecida como Ceia do Senhor (ou Eucaristia, no catolicismo): esta ideia se baseia no fato de que vez que durante a refeição da Páscoa, Jesus estabeleceu o memorial de se lembrar de sua morte e ressurreição até que Ele voltasse por meio do partir do pão e do compartilhar do cálice (ver passagem de Mateus citada acima).
Com o tempo, A Páscoa vem se transformando em um feriado sem sentido cristão: apenas a ideia de que nesse dia um coelho traz ovos de chocolate para as pessoas, esvaziando o conteúdo bíblico deste dia e o substituindo por consumismo e fantasias. Muitos cristãos denunciam ligações do paganismo (religiões contrárias às Escrituras) com a figura do coelho e do ovo: ambos seriam símbolos pagãos relacionados a rituais antigos de fertilidade e opostos á genuína fé bíblica.
No caso do coelho, é praticamente certo que seja um elemento de origem pagã (segundo a Enciclopédia Britânica, isso começou a ser inserido na Páscoa no século XVII, na Europa). Há porém, maior controvérsia em relação aos ovos, uma vez que existem evidências consistentes de que a prática de ser comer ovos no dia da Páscoa é uma tradição ligada ao fato de a igreja proibir o consumo de ovos na Semana Santa (que antecede a Páscoa). Assim, os cristãos passaram a preparar, enfeitavam e guardar seus ovos para que fossem comidos durante a celebração pascoal, no domingo. Ainda hoje, cristãos ortodoxos enfeitam ovos de galinha e os pintam de vermelho (fazendo o sangue do cordeiro da Páscoa) na celebração da festa. Assim, é possível que o ovo se relacionou com a Páscoa devido à prática cristã de se abster de carne e ovos durante a Semana Santa[2].
De modo prático, como celebrar a Páscoa, então? Diante do que foi brevemente exposto aqui, algumas possibilidades:
Celebrar a Páscoa como prescrito na Lei de Moisés? Há quem se opõe a isso afirmando que é impossível faze-lo, uma vez que não existe mais um Templo em Jerusalém e também porque os sacerdotes levitas não estão em operação; além disso, argumenta-se ainda que esta celebração foi dada apenas ao israelitas e não a todos os povos; um terceiro argumento é que Jesus, na noite em que foi traído, tendo comido a Páscoa, estabeleceu um modo específico para seus seguidores de celebra-la, independentemente de sua nacionalidade (O pão e o Vinho – a Ceia do Senhor); ainda, há a visão de que, ao morrer na cruz, Jesus colocou um fim à celebração da Páscoa, pondo em seu lugar a Ceia; finalmente, há grupos que defendem a celebração da Páscoa segundo continuou a ser praticada pelos judeus, mas com a diferença de se celebrar, junto com a libertação da escravidão egípcia, a morte de Jesus pelos pecados do mundo;
Celebra-se a Páscoa conforme a tradição cristã? Embora não haja prescrição bíblica para que os cristãos devessem criar uma celebração própria anual da Páscoa (ou outros períodos, tais como a Quaresma, a Sexta-feira da Paixão etc), a ideia de se criar festas e dias santos dedicados a Deus não é proibida pelas Escrituras: "Há quem considere um dia mais sagrado que outro; há quem considere iguais todos os dias. Cada um deve estar plenamente convicto em sua própria mente" (Romanos 14:5); opositores a essa ideia, especialmente judeus messiânicos (cristãos), afirmam que se alguém celebra a Páscoa, o deve fazer segundo a Bíblia, ou ainda, segundo as tradições do judaísmo (que celebram a Páscoa segundo a Bíblia e com o acréscimo de práticas extra-bíblicas;
Não se celebra nada? Uma vez que há certo silêncio no Novo Testamento em relação a como os povos não-israelitas (gentios) deveriam se posicionar em relação às festas bíblicas dadas a Israel, existe a opinião que as festas do Antigo Testamento não são obrigatórias para os cristãos que não são israelitas; ou porque entende-se que as festas bíblicas deveriam ser realizadas apenas até a vinda de Jesus; ou ainda, como dito, nem os israelitas devem celebrar, uma vez que o Templo de Jerusalém não foi reconstruído nem os sacerdotes estão em atividade;
Celebra-se a Páscoa como a sociedade em geral tem feito, apenas falando de coelhos e se presenteando com ovos de chocolate? Para além da provável origem pagã do coelho, a grande questão aqui é que, fazendo isto, o cristão está contribuindo para se apagar ainda mais da memória da sociedade (e até da igreja) sobre a morte de Jesus na cruz, a base da nossa fé e razão de nossa esperança. Não apenas isso, mas estaria substituindo a comemoração do dia em que foi salvo por Deus de seus pecados, por um mito e um símbolo originário de crenças que desconhecem o Deus Verdadeiro. De todas, esta seria a pior opção para um cristão, pois seria como uma esposa comemorar o aniversário de seu casamento com um estranho. Por outro lado, é quase certo que a tradição dos ovos enfeitados seja realmente cristã em suas origens (embora inexistente nas Escrituras), assim como a festa do Natal;
Uma sugestão aos cristãos: independentemente do modo como você quer celebrar esse dia, não substitua o sacrifício de seu Salvador por um coelho, mas dedique este momento a se lembrar do amor de Deus por você e a anunciar este amor às pessoas ao seu redor. Que diante dessa breve reflexão você possa, de consciência limpa e diante de Deus, celebrar a Páscoa do Senhor.
[1] Há um debate hoje, levantado por certos grupos de judeus messiânicos (judeus que acreditam que Jesus é realmente o Cristo (Messias) de Deus) que os cristãos em geral, judeus ou não, devem celebrar a Páscoa segundo a tradição judaica e as orientações Bíblicas.
[2] Estudo sobre origens da Páscoa. Clique aqui.